Mãe, quero uma t-shirt de fibras piñatex “made in Portugal”

Elsa Dionísio Fashion Business Management
The Green Wave from Portugal
Turismo Industrial de Moda – oportunidades inusitadas em Portugal (@LuxWoman)
Elsa Dionísio Fashion Business Management
The Green Wave from Portugal
Turismo Industrial de Moda – oportunidades inusitadas em Portugal (@LuxWoman)

A ITV e o setor do calçado portugueses caracterizam-se por processos de I&D, design, criatividade, excelência de serviços (com muitas empresas de confeção a oferecerem serviços de desenvolvimento de produto numa clara verticalização da resposta que dão aos seus clientes; rapidez na resposta aos mercados, prototipagem digital, como são os casos das empresas samPless e Platform.e) numa clara alavancagem da posição-chave que Portugal geograficamente sempre ocupou, enquanto centro entre mercados-chave como os Estados Unidos da América e o Canada,  toda a Europa, e Ásia, este último berço de mercados com elevado poder de compra (Médio Oriente, Coreia do Sul, Singapura, China, Japão, Austrália).

O período pandémico, entre muitos ajustes, foi palco de três fenómenos interessantes para o que aqui tratamos:

  • assistimos a uma clara tomada de consciência da dependência da nossa economia dos mercados asiáticos, enquanto abastecedores de matérias-primas (e não só). Urge a proximidade aos mercados, traduzida no conceito nearshoring;
  • perante uma indústria de moda caracterizada por muitas empresas fortemente dependentes da produção e exportação de private label, a contração nas encomendas, resultou no desenvolvimento e introdução no mercado online de novas marcas, provenientes do coração desta indústria;
  • o ciclo de vida dos produtos moda ganhou mais uma vez momentum, tendo a produção sustentável e a circularidade enfatizado questões em torno da necessidade de revermos os padrões de consumo que eram mainstream até ao primeiro confinamento.

Os novos consumidores, sejam eles a geração Z, sejam os Alphas (a propósito da idade da geração Alpha, nunca é demais relembrarmos que consumidores não têm de corresponder necessariamente os clientes) tornaram-se mais exigentes no que diz respeito à transparência e rastreabilidade dentro da cadeia de produção. Com isso, as marcas (mais do que sentir necessidade) foram obrigadas a afinar rapidamente as agulhas dos seus programas de marketing de CRM e abraçar a proximidade ao cliente de forma célere, eficaz e ética.

Ao longo dos últimos anos, uma indústria de moda com certificação sustentável passou a ser um imperativo, (um fator higiénico) e não tanto uma característica distintiva. Desta feita, esta indústria nacional foi desenvolvendo e adotando inúmeros processos (nanotecnologia, eletrónica, IA, RA, novos materiais, etc.) que passaram a caracterizar o pacto de sustentabilidade das empresas que a constituem.

De forma geral, temos vindo a testemunhar a necessidade imperativa de introduzir processos produtivos que recorram à utilização de menos água, ao tratamento das águas utilizadas, à reciclagem dos desperdícios industriais, à utilização de menos componentes químicos (em tinturaria e acabamentos), à utilização de energias renováveis, à reciclagem de plásticos e sua incorporação no artigo moda, à introdução de fibras alternativas, mais naturais, etc. Assim, a montante do retalho propriamente dito – venda de artigo ao consumidor final, inúmeros são os projetos e práticas efetivas de ficção, tinturaria, acabamentos e tecelagem sustentáveis, em Portugal:

T-shirts feitas com fibra de cânhamo (material hipoalergénico & resistente aos raios UV) e fibras de banana (material natural, biodegradável & versátil) respetivamente, desenvolvidas pela Petratex.

Marca Tenowa (projeto R4Textiles, em colaboração com a Universidade católica, CeNTI e Citeve) tecidos sustentáveis fabricados a partir da reciclagem de subprodutos têxteis;

No âmbito do Texboost, desenvolvimento de têxteis com propriedades multifuncionais incluindo a capacidade de fazer desaparecer os maus odores, com recurso a um subproduto da indústria de laticios – ambos projetos da Riopele

RFive – consorcio das Recutex, Fiavit e Lurdes Sampaio

Projetos de reciclagem de desperdícios têxteis – Valérius 360

TextBOOST – alternativa têxtil ao couro – parceria Tintex, CiteveCenti, CTIC, Sedacor e Têxteis Penedo

Cork-a-Tex – Fios de cortiça e algodão – Têxteis Penedo (parceria com Sedacor)

Fio 360 – fio reciclado feito a partir de desperdícios têxteis do próprio processo produtivo do grupo e LandColors – processo de tingimento com corantes naturais – ambos JF Almeida

E*Retrace – fio reciclado feito a partir de desperdícios têxteis do próprio processo produtivo do grupo e Good Earth Cotton – o primeiro algodão do mundo com carbono positivo e rastreável, produzido de forma sustentável – ambos Impetus

Top fitness da Impetus desenvolvido com partículas de cafeina, retinol e manteiga de karité numa base de poliamida reciclada .

PICASSo – solução de tingimento natural tendo por base plantas e cogumelos

Vestido de lã 100% bio e tingida com pigmentos naturais das plantas de tomilho e da hortelã; Desenhado pela estilista Maria Gambina; Desenvolvido pela Tintex.

 Colorau – utilização de extratos vegetais em substityicao de corantes sintéticos evitando a utilização de químicos auxiliares e a repitacao de enxaguamentos no processo de tingimento – ambos projetos Tintex

Fio de cânhamo e urtiga com propriedades dermatológicas principalmente em pecas de desporto – Inovafil

Colorfix – tingimento com microrganismos em que se consegue poupar 90% de agua, 90% de produtos químicos e ate 40% de agua

Tecido de viscose de caule de rosa (com a possibilidade de encapsular o cheiro da mesma) – Somelos

Botões feitos com madeira e osso natural – Louropel

Utilização de fibras naturais (que consomem menos água na sua produção) como o cânhamo, kepok e fibra de ananás –Mundotextil

Projeto capsula Conscious comfort – tecidos moda com aromas e propriedades múltiplas: cha verde + vitamina E; camomila + pera abacate; aroma a linho fresco e acabamento CBD; alfazema e q10 – Adalberto

A identificação destes e outros processos e artigos com elevado grau de sustentabilidade produzidos no seio da indústria de moda nacional, têm sido amplamente divulgados pelas associações setoriais, nomeadamente a ATP, a Anivec, a APICCAPS, o CTCP, a AORP, a Home from Portugal, a AEP, a própria AICEP.

Vários tem sido os projetos fora da caixa, promotores de parcerias inusitadas e montras desses mesmos artigos. Exemplo claro é o iTechStyle Green Circle (Citeve & Associação Seletiva Moda). Para além de promover o trabalho e colaboração entre designers e a indústria (fornecedores de matérias-primas), o projeto ampliou-se recentemente abarcando a partir da próxima edição empresas de confeção e marcas.

Há dias tive oportunidade de calçar umas sapatilhas da Zouri, feitas com fibra de ananás e o plástico das solas resultante da reciclagem de plásticos retirados das praias Portuguesas.

Sapatilhas BASA Parte superior: Piñatex (tecido de folhas de abacaxi) & forro: Algodão Orgânico (GOTS & Certificação de Comércio Justo).

Sempre que vi os showcases Green Circle, e sempre que surfei nas contas de Instagram de inúmeras empresas nacionais o meu alter-ego canta (longe vão os anos em que a minha mãe cedia à minha chantagem emocional)“oh Lord would you buy me a sustainable article made in Portugal”?

Vestido com malha BCork (incorporação de resíduos de cortiça), desenhado pela estilista Micaela Oliveira, desenvolvido em parceria com a Sedacor e Tintex. 

Eis o desafio à indústria, às associações: a criação de uma plataforma na qual o cliente possa adquirir artigos designed & made in Portugal, resultantes de processos sustentáveis e com incorporação de materiais sustentáveis. Esta será uma experiência imersiva e tátil na sustentabilidade, uma experiência democrática e inclusiva do e para o cliente e consumidor.

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